CAPA DO MÊS: 
MARCIA SANT’ANA
Uma grande mulher do universo da perfumaria
por: Renata Ashcar

          “Não tenho palavras para descrever minha querida amiga Marcia, essa incrível profissional. São quase 10 anos trabalhando juntas, fora outros tantos que nos conhecemos. Uma profissional única, dessa força da natureza, uma máquina de trabalho. Todos os projetos que pensamos juntas se realizaram com a sua produtividade impressionante e sua visão clara e precisa de cada etapa. E sei que, juntas, fizemos a diferença na vida de muitas de pessoas tendo a educação e divulgação da cultura do perfume como causa. Só posso agradecer pelo privilégio de poder compartilhar minha vida profissional com ela, e que seu caminho seja sempre iluminado!”

Renata Ashcar

Meu nome é Marcia Aparecida Estancioni Sant´Ana. Nasci na cidade de São Paulo e sou descendente de italianos. Minha formação inicial se deu na PUC-SP no curso de Secretário Executivo Bilingue, fiz extensão universitária na U.C.L.A. – Universidade da Califórnia de Los Angeles, na área de comunicação. Sou pós-graduada em Marketing pela FGV, Marketing de Luxo pela ESPM e A Cultura do Perfume pela FASM. Tenho 40 anos de experiência profissional, atuando nos últimos 25 anos no segmento de fragrâncias nas áreas de avaliação olfativa, marketing, pesquisa de mercado e vendas, na área acadêmica, como professora do Curso de Avaliação e Marketing Olfativo da pós-graduação da Faculdade Santa Marcelina e como coordenadora/professora do Curso Consultor de Vendas Especializado em Perfumes da ETEC em parceria com ABIHPEC, Centro Paula Sousa do Governo do Estado de São Paulo e Renata Ashcar. Atualmente, sou consultora para a indústria de fragrâncias, e trabalho junto a Renata Ashcar na coordenação do Guia de Perfumes, de sua autoria, e dos cursos online, bem como de treinamentos e cursos no segmento da perfumaria.
Quando ingressou na perfumaria?
Meu ingresso na perfumaria se deu no final de 1997, quando fui contratada pela divisão de fragrâncias da Takasago no Brasil, atuando em toda a trajetória de crescimento da empresa. Fui contratada como secretária executiva para trabalhar com o Diretor de Fragrâncias que foi meu primeiro mentor na perfumaria. Nossa equipe era bem enxuta, por isso já participava de uma forma bem ativa de toda a rotina comercial de uma empresa de fragrâncias. Tive a oportunidade de abraçar novas atividades como por exemplo participar das avaliações olfativas dos projetos e fazer apresentações de marketing para acompanhamento das submissões. Foi então que decidi que era nessa área que queria atuar. Fui treinada para a área comercial e marketing, que englobava os treinamentos olfativos. O meu contato com o departamento de marketing da matriz era constante para troca de informações e recebimento de apresentações de tendências. Essa gama de clientes desde perfumaria fina, personal care e household me permitiu uma visão completa de como avaliar fragrâncias para todos os segmentos, me proporcionando uma bagagem de conhecimento tanto comercial quanto olfativo. Eu acabei assumindo a principal conta da empresa na América, me especializei em fragrâncias para Air Care, em paralelo atendia contas, que expandiram o meu conhecimento em fragrâncias para os segmentos de fine e personal care. Tive um extenso treinamento na Takasago Estados Unidos, que incluiu a parte de avaliação, marketing, pesquisa de mercado e comercial. Desenvolvi e implantei os departamentos de marketing e pesquisa de mercado da divisão de fragrâncias para os segmentos de perfumaria fina, cuidados pessoais e produtos de limpeza. Participei até 2012, quando me desliguei da empresa, de todos os encontros globais de marketing, avaliação, pesquisa de mercado e das principais contas que aconteceram em Nova York, Flórida, México, Paris, Suécia, Singapura, China e Japão. Desde então, eu permaneço no segmento prestando consultorias para a indústria de fragrâncias nas áreas comercial, marketing, pesquisa de mercado e avaliação, bem como trabalhando em projetos com a Renata Ashcar dentro do nosso mercado.
Qual a sua formação e trajetória anterior?
O primeiro emprego foi secretária de uma escola de inglês (CCAA) em que pude avançar também no inglês. Em 1983, comecei a faculdade na PUC-SP, uma das primeiras alunas do curso Secretário Executivo Bilingue. Trabalhei no Banco América do Sul como atendente de contas, na Manah como secretária de departamento, no ramo de fabricação de adubos. Fui secretária sênior da divisão de engenharia e controle de qualidade da Blindex, indústria de vidros. Em 1987, decidi dar uma guinada na vida indo em busca de um aperfeiçoamento profissional e do idioma inglês, tendo assim, a experiência de viver por quase dois anos fora do Brasil. Morei na Califórnia em Los Angeles. Foi uma das vivências mais importantes para a minha formação pessoal e profissional. Fiz extensão universitária na Universidade da Califórnia em Los Angeles, U.C.L.A., aprendi espanhol e, quando completei o que desejava, resolvi voltar.

De volta ao Brasil, ingressei numa multinacional de fabricação de pneus, Bridgestone/ Firestone, como Secretária Executiva Bilingue, trabalhando com a diretoria. Fiquei na empresa por quase nove anos e, em paralelo, fui sócia de uma escola de inglês. Trabalhava durante o dia na empresa e à noite e aos sábados dava aula de inglês. Deixei a sociedade em 1994, mas continuei a dar aulas no Instituto Berlitz até 1997. Assim que entrei na Takasago, tive que parar com as aulas noturnas por conta de viagens. Entretanto, dar aulas e treinamentos sempre me colocaram brilho nos olhos.

Por que o segmento de perfumes?
Meu ingresso na perfumaria foi realmente obra do acaso. Quando fui contratada pela Takasago como secretária executiva, nunca imaginei trabalhar no segmento de fragrâncias. Como tive a oportunidade de abraçar novas atividades dentro da empresa, como por exemplo participar das avaliações olfativas dos projetos, decidi que era nessa área que queria atuar. Fui treinada para a área comercial e marketing, que englobava os treinamentos olfativos. Essa gama de clientes desde perfumaria fina, personal care e household me permitiu uma visão completa de como avaliar fragrâncias para todos os segmentos. Eu acabei assumindo a principal conta da empresa na América, me especializei em fragrâncias para Air Care, em paralelo atendia contas que expandiram o meu conhecimento em fragrâncias para os segmentos de fine e personal care. Tive um extenso treinamento na Takasago Estados Unidos, que incluiu a parte de avaliação, marketing, pesquisa de mercado e comercial. Desenvolvi e implantei os departamentos de marketig e pesquisa de mercado da divisão de fragrâncias para os segmentos de perfumaria fina, cuidados pessoais e produtos de limpeza. Sou muito grata por ter tido a oportunidade de ter sido apresentada a esta área e ter descoberto a minha paixão pelo segmento.
Em que áreas você atuou na indústria?
Na indústria de fragrâncias atuei praticamente em todas as áreas, com exceção a de criação de fragrâncias. Sempre gostei do business de fragrâncias. Como a empresa era bem enxuta, todo mundo tinha que fazer de tudo. Comecei na área de customer service, sales service, passei para avaliação, vendas, implantei os departamentos de marketing e pesquisa de mercado. Fiz a coordenação do marketing global de fragrâncias, sendo responsável pelos assuntos ligados ao marketing corporativo da Takasago envolvendo a matriz no Japão, além de outros países como China, Coréia, Singapura, Estados Unidos, França, México e Argentina. Meu último cargo no corporativo foi gerente de marketing global e negócios internacionais. Atualmente, as consultorias para a indústria estão mais voltadas para as áreas de marketing e avaliação.
Avaliação sempre fez parte da sua rotina? Como conseguiu apurar tanto seu olfato?
Sim, desde o primeiro dia em que fui contratada na indústria, avaliação fez parte da minha rotina. Como éramos uma equipe pequena, todo mundo tinha que fazer um pouco de tudo. Inicialmente, as criações eram feitas pelos perfumistas dos Estados Unidos e nós avaliávamos aqui ou, muitas vezes, íamos para os Estados Unidos para fazer a seleção. Em 2004, passamos a ter criação aqui no Brasil. Aprendi muito com os perfumistas o que contribuiu para o meu desenvolvimento olfativo. Desenvolvemos vários trabalhos, incluindo uma coleção incrível da biodiversidade brasileira que fez um sucesso lá fora, principalmente na Victoria´s Secret. Sempre trabalhei muito próxima dos perfumistas. Depois que deixei a Takasago, comecei a fazer consultorias, sendo, uma das atividades, o treinamento olfativo de matérias-primas e fragrâncias. Além disso, desde o início de 2013, trabalho com Renata Ashcar, dando aulas, cursos e treinamentos olfativos. Eu sempre digo para os meus alunos: desenvolver o olfato é como fazer ginástica, tem que fazer sempre para ganhar músculo. Todos os dias, independentemente dos treinamentos ou das aulas, eu cheiro três matérias-primas. Tento adivinhar qual é e as descrevo com sensações, cores e adjetivos. Faço o mesmo com perfumes. Tem que treinar. Não tem milagre.
Quais os países que conheceu e que influência eles trouxeram para sua profissão?
Sou muito grata por ter tido uma importante vivência internacional. Viajar, conhecer novos lugares, novas culturas e costumes sempre foram minha paixão, por isso investi bastante nesta parte. São quase 50 países e certamente, além de toda a parte cultural e histórica, todo esse conhecimento me ajudou a criar o meu repertório olfativo. Cada um desses países me proporcionou um grande aprendizado. Digo que foi uma viagem olfativa e gustativa. Depois que entrei na perfumaria, comecei a fazer um diário de todas essas viagens e, para muitas delas, consegui materializá-las com uma coleção de fragrâncias feitas por perfumistas que marcaram a minha trajetória. Muitas fragrâncias viraram projetos.

Eu acredito que todo mundo que trabalha na perfumaria fica com algumas manias de relacionar cheiro com alguma experiência. Cada lugar que conheci, ao final eu batizava com matérias-primas, que faziam referência ao local. Era uma forma de memorizar o local e representá-lo na minha memória. De cada um desses lugares que visitei, guardei uma lembrança olfativa.

Vou descrever alguns desses lugares. Como é para a Revista Olfato, que faz referência ao nosso sentido mais íntimo, acho que a maioria dos leitores vai entender:

Da época, final da década de 80, em que morei em Beverly Hills, em Los Angeles, nos Estados Unidos, trago comigo as lembranças de salmão, caviar, cordeiro, medalhão de mignon, chocolates suíços, perfumes Dior, Chanel, Calvin Klein (comidas e marcas que nunca tinha ouvido falar). Algumas fragrâncias me marcaram muito aqueles anos como, Poison de Dior, que estava em todos os lugares de Los Angeles, o sabonete líquido da Neutrogena clássico e o sabonete em barra Dove, que ainda não existia no Brasil. Uma loucura! Tudo era novidade. De Las Vegas, o cheiro dos cassinos fechados com aqueles banquetes de comida para as pessoas se alimentarem e continuarem jogando; de Aspen, o cheiro da neve, quando tive meu primeiro contato; do Grand Canyon, o cheiro do céu, da terra; de Nova York, uma cidade perigosa na época, o cheiro de metrópole como São Paulo, pralinê, gosto de maçã.

Canadá: fiz uma viagem de carro de Toronto, passando por Niagara Falls, Montreal, Quebec, Ottawa e pulando para o outro lado de avião, Vancouver, Rocky Mountains, Banff, Jasper Whistler. Fui no verão, então encontrei uma Canadá florido na maior parte do lado do Atlântico. Do outro lado, Rocky Mountains, suas geleiras e toda a paisagem deslumbrante. De alguma forma o cheiro de lá é muito parecido com o dos Estados Unidos, talvez um pouco mais provinciano. O cheiro de vela perfumada de baunilha e o maple syrup, xarope de ácer ou de bordo, feito com a seiva da árvore de plátano, símbolo do Canadá.

Matérias-primas: vanilina e cumarina (o cheiro do xarope me lembra da cumarina).

Peru: foi uma viagem bem mágica. Foi em Cuzco – Machu Picchu que mastiguei as primeiras folhas de coca, como é costume por lá, para amenizar os efeitos da altitude. Um sabor único, mas me remeteu ao chá verde, lembrando o absoluto de folha de violeta. O local tem um cheiro de ancestralidade, que junta tabaco e folha de coca. Junto com uma perfumista, desenvolvemos uma fragrância chamada Folha de Coca. Conheci outras partes do Peru como Lima, Ica, Paracas e Nazca. Uma região que me lembrou uma viagem ao Egito com os processos de mumificação que os Incas já usavam. Uma culinária riquíssima. Conheci várias espécies de milho: preto e vermelho. Cada um com seu sabor e cheiro.

Matérias-primas: absoluto de tabaco e absoluto de folha de violeta.

Argentina: Buenos Aires virou meu segundo lar. Em 15 anos, estive lá mais de 100 vezes, a trabalho. Um mercado com suas especificidades, embora o cheiro de lavanda e de bebê dominem o segmento de limpeza, as flores brancas como gardênia e jasmim são muito apreciadas por lá. Os perfumes masculinos Polo de Ralph Lauren também deixam os homens por lá mais charmosos. Buenos Aires cheira alfajor, bife e papas fritas. Já a Patagônia (El Calafate e Ushuaia) é bem diferente. Tem um cheiro marítimo gelado, um calone com mentol pairam no ar. Calafate, também o nome da cidade, é uma frutinha parecida com groselha. Foi algo que me marcou muito por conta das geleias que comi por lá.

Matérias-primas Patagônia: calone e mentol.
Matérias-primas Buenos Aires: jasmim e etil maltol.

Chile: atendia a região de Santiago e Viña del Mar, então fui várias vezes para lá. Ali conheci uma variedade enorme de peixes e frutos do mar. O Deserto do Atacama me encantou bastante. Um lugar inóspito, chega a faltar ar, é seco, terra seca, sufocante, mas apaixonante.

Matérias-primas: metil ionona gama (violeta) e patchuli.

África: uma das regiões mais interessantes que meus pés já pisaram. África é cor, é cheiro, é aroma, nossas raízes quando pensamos no sincretismo religioso que temos aqui no Brasil. Visitei a África do Sul, Zimbábue e Zâmbia. Victoria Falls, era a terceira, e última, grande catarata que me faltava conhecer no mundo, além de Foz do Iguaçu e Niagara. Os safaris pelos parques nacionais, elefantes, girafas, leões, coisa de filme. Acredito que um perfumista ali ficaria alucinado.

Matérias-primas: aldeído C9, C10, C11 (metálico) e civete.

Austrália (Melbourne, Sidney, Cairns, Uluru/Outback) e Nova Zelândia (Queenstown, Rotorua, Auckland): maravilhas do nosso planeta. Muitas paisagens diferentes de tudo que já tinha visto, animais exóticos, flores, comida, tudo muito único. Voltei tão apaixonada que, ao retornar, desenvolvi junto com um perfumista inglês,que morou na Austrália, uma coleção chamada Oceania – From a land down under – pavlova, vegemite, manuka honey, entre outros.

Matérias-primas Austrália: absoluto de mel e sândalo.
Matérias-primas Nova Zelândia: gálbano e musgo de carvalho.

Expresso Transiberiano: Rússia (São Petersburgo, Moscou, Irkutisk/Sibéria), Mongólia (Ulan Bator, Deserto de Gobi), China (Pequim/Muralha): dentro de um trem por quase 3 dias, passando pelas paisagens mais inóspitas que meus olhos já tinham vistos. Um quê de Dr. Jivago. Começando pelo museu Hermitage de São Petersburgo, o museu mais lindo em que já estive, deixando o Louvre nos pés, quando comparado com a beleza do local. Muita luxúria, riqueza desses Czares que ali viveram. A comida no geral não é nada demais. Me lembro bem da sopa Borscha, feita de beterraba, repolho, carne e creme de leite. Mas as variedades de vodka, meu Deus! Têm algumas com pimenta, alho e a que mais achei diferente, que tomei na Sibéria foi a de pinhão de cedro. Muito diferente, um gosto forte de madeira seca. A bétula que é a árvore símbolo da Rússia com sua folha amarela, tem um cheiro bem delicado de flor branca com o toque de pera, bem diferente de seu óleo essencial, que traz a nota de couro defumada. Da Mongólia, vem-me o cheiro de zimbro, que era a fragrância dos incensos dos templos, a bebida alcoólica de leite de égua fermentado chamada airag e o cheiro de mofo dos ghers (um tipo de oca). Viajar pelo deserto de Gobi foi fazer parte da tribo de Gengis Khan – o imperador mongol. A viagem de trem vendo de longe toda a muralha da China até a chegada em Pequim é simplesmente deslumbrante.

Matérias-primas Rússia: cedro e bétula.
Matérias-primas Mongólia: zimbro e patchuli.
Matérias-primas China: ylang ylang e jasmim.

Indochina (Laos, Vietnam, Camboja, e Tailândia) e Singapura: a Ásia é, sem sombra de dúvida, minha paixão. Povo hospitaleiro, simples, sorriso no rosto. Aqui pude conhecer várias espécies de pimenta como Sichuan entre tantas outras. Daqui surgiu uma coleção incrível de fragrâncias inspiradas no templo Angkor Wat (Camboja), na fruta Durian, de cujo cheiro a maioria não gosta, na pitaya (dragon fruit), no mangosten e na flor de lótus. Maravilhoso. A culinária do Vietnam me chamou muito a atenção: é riquíssima. Como o país foi invadido, pelos chineses, franceses e americanos, tem uma pitada de cada um desses países na cozinha.

Matérias-primas Laos: oud.
Matérias-primas Vietnam: lilial.
Matérias-primas Camboja: castoreum.
Matérias-primas Singapura: dihidromircenol.
Matérias-primas Tailândia: aldeído C18.

Japão: sou apaixonada por este país. De alguma forma os japoneses sempre estiverem presentes na minha formação pessoal e profissional. Por morar em São Paulo, o local que tem mais japonês fora do Japão, sempre tive amigos, e chefes japoneses. Trabalhei em quatro empresas japonesas. Tive a oportunidade de visitar o Japão a trabalho e, posteriormente, durante umas férias, quando realmente pude desfrutar desta maravilha de país. Viajei no final de março, durante o período de Sakura, florescer das flores de cerejeira. Literalmente, o hanami que significa “contemplar ou apreciar as flores”. Esta contemplação, durante quase três semanas, foi uma das fases mais felizes da minha vida. As flores de uma beleza delicada, suas cores, tudo é muito lindo. Foram muitas inspirações.

Matérias-primas: matcha e ambroxan.

Índia (Nova Delhi, Jaipur, Varanasi-Rio Ganges, Agra, Udaipur) e Nepal (Catmandu): a Índia é difícil de descrever. Ela tem que ser sentida, farejada, degustada. É o lugar onde o impossível é possível … Suas cores berrantes e vibrantes, seus vestidos esvoaçantes, aromas espalhados no ar, a espiritualidade à flor da pele. O Taj Mahal é surpreendente. há uma incompreensão grande de pessoas que ficam surpresas quando se fala que foi para a Índia. Lembro-me da massala: uma mistura de cravo e canela, cardamomo e noz moscada, pimenta e sândalo, que instiga todos os nossos sentidos, deixando mistérios e descobertas de novos cheiros e sabores. Sobrevoei a cordilheira do Himalaia. Ver o Monte Everest com sua suntuosidade foi algo indescritível. Uma sensação de pequenez, de quanto nossos problemas não significam nada para o cosmo. Dizem que há um momento da vida em que despertamos para uma outra fase. Esta viagem me mostrou que não precisamos de muito para sermos felizes.

Matérias-primas Nepal: especiarias, noz-moscada e cominho.
Matérias-primas Índia: cardamomo, jasmim e cistus labdanum.

Até quando atuou diretamente no mundo corporativo?
Deixei de atuar diretamente no mundo corporativo em 2012. Entretanto, os treinamentos e as consultorias para empresas me permitem participar de forma ativa da avaliação, do marketing e dos laboratórios. Este mundo corporativo sempre foi e é o meu dia a dia.
Conte um pouco da sua trajetória “solo”.
Já faz quase dez anos que presto consultorias para o mercado de fragrâncias, trabalhando com o pessoal de vendas, marketing e avaliação. Em paralelo às consultorias, eu trabalho ativamente em projetos com a Renata Ashcar: Guia de Perfumes, cursos online, treinamentos e consultorias.
É notório o seu “viés educativo”. De onde vem isso? Como acha que isso soma com a profissão?
Participei ativamente da infância das minhas sobrinhas, e sempre dizia a elas: “tudo aquilo que a gente mais gosta de brincar na infância, provavelmente a gente vai brincar de trabalhar quando se tornar adulto”. E acho que é bem isso mesmo, eu adorava brincar de escolinha com a minha irmã e acabei me tornando professora também. Aos 11 anos, tive o meu primeiro trabalho que era dar aulas para os dois filhos de uma vizinha que estavam no ensino fundamental. Gostei da brincadeira e meu pai me fez uma plaquinha e penduramos no portão: Aulas para alunos do primário. Dei aula particular, inclusive de inglês, até os 17 anos. fui sócia de uma escola de inglês e dava aulas. No final de 2012, assim que terminei a pós de perfumes na FASM, fui convidada para dar aula no mesmo curso e já estava trabalhando com a Renata Aschar, na Dorina Nowill, dando aulas e coordenando o curso. O fato é, quanto mais a gente ensina mais a gente aprende. Toda a experiência que tive na parte educacional foi fundamental para o meu crescimento no mundo corporativo e vice-versa.
Sabemos que você e a Renata Ashcar sempre estão juntas em grandes projetos. Conte para a revista como é esta relação.
Conhecia a Renata Ashcar desde 2000. Fui ao lançamento do primeiro livro dela, Brasilessencia, em 2001, mas não éramos próximas. No início de 2013, nos encontramos em um evento da FASM – Faculdade Santa Marcelina onde eu lecionava nas disciplinas de marketing olfativo e avaliação olfativa. Conversamos e ela me convidou para tomar um café com ela, na Dorina Nowill, onde ela era a responsável pelo curso de avaliação olfativa para deficientes visuais. Participei da aula na Dorina Nowill. Foi amor à primeira vista pela turma e pela causa que a Renata estava levantando. Desde então começou nossa parceria. A gente se dá super bem, construímos muitas coisas juntas, acho que nos completamos. A Renata com seu jeito artístico, sonhador, poético, um networking incrível (acho que no nosso mercado não tem ninguém que se compare a ela), uma memória de historiadora, uma enciclopédia ambulante. Aprendo muito com ela todos os dias. Eu, por outro lado, sou mais pragmática, do mundo corporativo, adoro desafios, enfim acho que é realmente o encontro perfeito. Preencheria umas duas páginas se fosse para listar todos os projetos, treinamentos, cursos, cursos online, guias de perfumes que fizemos juntas. Nós duas temos a alma de educadoras e acho que é isso que nos une mais ainda.
Entre tantos projetos bem-sucedidos, conte para a gente o que foi mais realizador para você.
Desde projetos de criação de coleção olfativa, após alguns países que visitei, até os cursos e treinamentos com a Renata foram vários, mas um que me realizou muito foi o projeto junto à ETEC – Formação de Especialistas em perfumes. Foram 4 turmas, quase 80 profissionais que formamos para o mercado de fragrâncias e perfumes. Foi muito gratificante ter passado e recebido conhecimento, ver este pessoal empregado, apaixonado pelo que fazem. Isso realmente não tem preço.
Quais são os projetos futuros?
Certamente no âmbito educacional e na qualificação de profissionais para o nosso segmento. Conhecimento tem que ser passado, não pode e não deve ficar engavetado. Acho que a maturidade traz um pouco disso, a gente quer deixar um legado para essa nova geração de profissionais. Chega o momento em que você começa a agradecer por todas as oportunidades que teve, por todos os amigos que conquistou e até a agradecer pelas pessoas que não estavam ali para te ajudar, mas que, de alguma forma, propulsionaram as nossas vitórias, mesmo que naquele momento não conseguíssemos entender. Enfim, não me vejo fora do mercado da perfumaria que não seja com o viés educativo.
O que te faz brilhar os olhos na perfumaria?
É o mundo do invisível em que você consegue interpretar, traduzir e revelar cheiros. O impacto que os cheiros têm na vida das pessoas. Realmente me impressiona a paixão que a maioria das pessoas que trabalha neste segmento tem. Quando eu entrei na perfumaria o meu primeiro chefe me disse: “quem entra neste segmento é picado por um bichinho e nunca mais consegue sair”. Acho que é isso, todo dia tem coisa nova para aprender. Tendências, novos conceitos, tudo isso me envolve. Adoro pensar em um conceito, fazer uma apresentação, selecionar as fragrâncias e vender o projeto. É muito gratificante. Depois que tive a Covid em novembro de 2020, em que tive a perda temporária do olfato, dei mais valor ainda para este sentido e para tudo que o envolve. Sentir, cheirar, farejar, se perfumar é vida, é cor, é alegria.
Fotos: Victor Neco Fotografia
Beleza: Lorena Colares
Publisher e Diretor Criativo: Sérgio Oliver
Supervisão de texto: André Terto
Arte gráfica e diagramação: Danni Chris