CAPA DO MÊS:

JEAN LUC MORINEAU

O perfumista francês com o coração brasileiro

por: Roberto D’Angelo

Um dos perfumistas franceses mais renomados do mundo, com mais de cinquenta anos de carreira, Jean Luc Morineau é um senhor de fala mansa, muito simpático, um pouco tímido e de poucas palavras, que adora a vida e aproveita o seu tempo livre para estar com a esposa, filhos e netos. Sempre que pode, gosta de passear pela praia e caminhar pelas feiras livres em busca de um novo cheiro. Como muitos perfumistas, o senhor Jean Luc gosta de cozinhar e dedica parte do seu tempo livre para soltar a imaginação desenhando, e seu tema preferido são as lendas da Amazônia. Depois de trabalhar nas mais importantes e renomadas casas de fragrâncias do mundo, nosso entrevistado escolheu o Brasil para morar e desenvolver o seu trabalho. Em entrevista exclusiva para a Revista Olfato, ele nos contou um pouco de sua vida e da sua trajetória profissional.
Como foi a sua infância?

Eu nasci em 16 de dezembro de 1946, na cidade praiana de Binic na Bretanha. Era um período de euforia após o final da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, meu pai, que era servidor público, foi designado para fazer um estágio em outra cidade, e a minha mãe e eu fomos morar na casa dos meus avós na Ilha de Noirmoutier, no sul da Bretanha, província da Vendée. Aquele local mágico se transforma em ilha na maré alta quando a água invade o braço de mar que a separa da terra firme. Na maré baixa é possível atravessar de carro por uma estrada com 1,5 km de comprimento. Eu guardo muitas lembranças da infância na ilha. Meu avô era um amante da natureza. Nós fazíamos longos passeios de bicicleta. Com ele, aprendi a reconhecer os cogumelos comestíveis, pescávamos na praia e nos rochedos, e, na maré baixa pegávamos conchas, mexilhões e camarões. Foi um período mágico do qual sempre recordo com carinho, e, até hoje, mantenho vivos na memória os cheiros da ilha.

Esse período foi importante para o seu aprendizado de perfumista?

Com certeza, no começo do meu aprendizado, numa ocasião, sozinho no laboratório, eu juntei várias matérias primas que me lembravam o período em que vivi na ilha, misturei tudo aleatoriamente, depois levei uma amostra do que eu estava fazendo para minha mãe, e ela surpresa disse: “É o cheiro da ilha!”, então concluí que estava no caminho certo. Há dois anos, eu criei um perfume usando as mesmas matérias primas e eu o chamei de “Ile aux mimosas “, mostrei-o para um cliente, e ele aprovou, de imediato, a fragrância.

Como surgiu o seu interesse por perfumes?

Aos dezessete anos, eu tive uma crise de apendicite, e passei por uma cirurgia, Então, um amigo de escola, o qual eu não via há muito tempo, foi me visitar no hospital, e ele me perguntou o que eu pretendia fazer da vida. Eu respondi que não tinha a menor ideia. Ele me perguntou, então, se eu queria ser perfumista. A pergunta me surpreendeu porque eu nunca havia pensado no assunto, e ele me explicou que havia acabado de se formar perfumista, e que havia estudado durante três anos com um perfumista aposentado muito famoso, Pierre Blaizot, meu amigo me explicou que o professor estava procurando um novo aluno, ele já havia entrevistado quarenta candidatos, mas ninguém havia sido aprovado, eu gostei da ideia e quando eu recebi alta do hospital fui com o meu amigo na casa do perfumista. Quando me apresentei, eu expliquei que não tinha experiencia, que não conhecia química, e ele respondeu que não tinha importância, ele queria formar o novo aluno desde o início e que iria me ensinar tudo o que fosse preciso. E que em três anos eu estaria formado. Logo no início do meu treinamento, eu passei por algumas provas com ele que me mostrou algumas matérias primas e eu me empolguei muito.

Como era o seu aprendizado?

Na parte da manhã, eu estudava química e, à tarde, íamos para um pequeno laboratório na casa dele, era um lugar bonito de onde se via um jardim com um pequeno riacho. Começamos a viajar pela França. Para mim foi uma oportunidade de conhecer vários lugares, conheci a região sul da França, a cidade de Grasse. Depois começamos a viajar várias vezes para a Espanha. Essas viagens foram muito enriquecedoras para o meu aprendizado. Depois de dois anos e meio, ele começou a ter sérios problemas de saúde, e o diretor da Firmenich foi visitá-lo. Depois de me apresentar, ele me convidou para conhecer o escritório de Paris. Lá, passei três meses e fui promovido a perfumista trainee. Logo depois, eu fui aceito como perfumista júnior, e, em seguida, continuei meu treinamento em Genebra. Naquela ocasião, já com vinte anos, eu comecei a fazer vários produtos e várias viagens internacionais.

Foi o início da sua carreira internacional?

Sim, quando fui fazer um estágio nos Estados Unidos, por três anos, eu já era casado, e meu primeiro filho tinha cinco anos. Durante aquele período surgiu uma vaga no Brasil com meu perfil profissional, e eu aceitei. Isso foi no ano de 1976. A proposta era de permanecer por três meses, para ver se eu me adaptava, e eu adorei! Fiz ainda um outro estágio na Suíça, depois vim definitivamente com a minha família.

E como foi a sua experiência aqui no Brasil?

No início, encontrei algumas dificuldades. Não conseguia me adaptar em algumas particularidades e às preferências do mercado, mas o perfumista Sr. Jacques Viligier me explicou que o consumidor brasileiro valorizava os cheiros de lavanda, florais e atalcados. Segui o seu conselho e comecei a ter sucesso.

Então o senhor permaneceu no Brasil?

Não. Depois de alguns anos, decidiram que eu deveria ser transferido novamente, e as opções eram: Singapura, México, França ou Estados Unidos. Optei por Singapura, mas o perfumista da Argentina já havia sido escolhido para ir para lá; então tentei o México, e lá permaneci por um período de três meses, para ver se me adaptava, gostei do país, mas não me adaptei com a comida e alguns costumes do povo. Achei também que o mercado de perfumes era muito influenciado pelos americanos. A principal tarefa é entender o que a marca quer, entender seu briefing em profundidade pelas lentes de sua visão, sua direção artística, seu DNA, seu universo, sua estratégia, suas coleções. Meus clientes colocam, no briefing, tudo o que pode me inspirar. Então, fico ainda mais feliz se a marca compartilha comigo sua direção criativa em outros aspectos, que poderiam alimentar meu processo criativo: o frasco, a tampa, as cores, o nome, o visual, a música, etc. Todas essas afirmações além da história, podem me ajudar a criar uma fragrância que seja mais coerente, porque está tudo conectado: o que está dentro, fora do frasco e ao redor. Então, minha especialidade é traduzir tudo isso em um perfume.

Depois dessa experiência, o senhor voltou e permaneceu no Brasil?

Permaneci alguns anos mais na Firmenich, onde eu criei um grande sucesso, o sabonete Rexona, o sabonete vale quanto pesa para a Phebo, desodorantes e outros produtos. A minha permanência no Brasil não era definitiva. Depois de cinco anos, decidiram novamente que eu deveria ser transferido, mas eu decidi ficar no Brasil. Depois de fazer um acordo eu saí da Firmenich. Como eu já era muito conhecido no mercado, eu recebi diversas propostas, então eu ingressei na Robertet, empresa que trabalhava com produtos naturais. Depois de dois anos, entrei na IFF para trabalhar com produtos de banho, e com grandes volumes. Nos anos 80, eu trabalhei muito com a Água de Cheiro e criei também as primeiras fragrâncias de Acqua di Fiore. Outro sucesso criado por mim foi a adaptação para o Brasil do Poison da Dior, o Absinto. Depois de anos trabalhando na IFF, percebi que não tinha liberdade para ter contato direto com os clientes e isso me frustrava muito, o que me fez aceitar uma proposta da Dragoco (atualmente Symrise) que me dava total liberdade para ter contato com clientes. Com eles desenvolvi muitos produtos de limpeza e de higiene bucal, desenvolvi também um trabalho importante no setor de perfumaria fina.

Foto: Divulgação Água de Cheiro

O senhor poderia nos falar sobre outras criações suas?

Eu fiz o perfume comemorativo dos 300 anos de Curitiba pelo O Boticário, que era uma edição limitada. Criei também o perfume comemorativo de 50 anos de Brasília. Depois, criei um perfume para o jornalista Amaury Junior, que o batizou com o mesmo nome do seu programa Flash.

Fotos: Victor Neco Fotografia Acervo: Jean Luc Morineau

Além de gostar do Brasil, o que o fez ficar aqui?

Aqui eu pude realizar o meu sonho de fundar a minha própria casa de fragrâncias, a L’Atelier, que tinha como objetivo atender vários seguimentos do mercado: perfumaria fina, cosméticos, produtos de higiene pessoal entre outros, oferecendo a mesma qualidade de atendimento para clientes menores, segmento esse que as casas internacionais não se interessavam. Nesses anos todos, alguns clientes cresceram junto com a minha casa de fragrâncias, outros acabaram fechando, mas de cada um deles guardo lembranças.

De onde o senhor tira as suas inspirações para os perfumes?

Qualquer coisa pode provocar a faísca de uma nova criação: um livro que estou lendo, uma lembrança gostosa do passado, um lugar que eu conheci em minhas viagens, e me inspiro no Brasil, especialmente nas regiões do Nordeste e da Amazônia.

Fotos: Victor Neco Fotografia Acervo: Jean Luc Morineau

O senhor ministrou vários cursos durante sua carreira, quais foram?

Eu dei cursos em várias Universidades do Brasil, nas principais capitais, Belém, Curitiba, Fortaleza e Manaus, não consigo citar todas, mas eu percorri o Brasil desde a cidade de Ijuí, na fronteira do Paraná com o Paraguai, até Santarém na Amazônia. Dessas andanças pelo país, eu guardo muitas lembranças, mas uma delas me recordo com carinho – foi uma viagem inesquecível, no interior do Rio Grande do Norte, numa cooperativa de catadores de coco, onde fui chamado para perfumar o sabão de coco. Fui tratado com muito carinho, como se eu fosse da família deles, fiquei num hotel que não tinha camas, só redes, e curiosamente lá, descobri uma plantação nativa de Patchouli. No Senac, ministrei cursos durante dois anos, e há oito anos sou responsável pelo curso de perfumaria criativa da Associação Brasileira de Cosmetologia, que é dividido em 2 módulos, sendo um deles em laboratório com aulas práticas. Não posso deixar de citar também a minha experiência no mercado da Amazônia orientado por dois dos mais conceituados professores: José Guilherme Soares Maia de Belém, do museu Goeldi, e Juan Revilla, pesquisador do Impa em Manaus, que me orientaram na descoberta daquele universo incrível, eles têm o meu eterno agradecimento. Durante esses anos todos, foram muitos esforços e muito trabalho, muitas empresas investiram na região da Amazônia, mas o resultado foi desastroso, muitos foram afetados, inclusive dos pesquisadores da Natura, que, por causa da cobiça dos políticos, que ao invés de investir em plantações sustentáveis, criaram um imposto inviabilizando a criação de novos produtos originários da Amazônia, é muito triste, mas uma realidade.

E como vê o seu futuro?

Continuo como perfumista da L’Atelier, meu olfato está em plena forma, e minha imaginação continua fértil. Apesar da pandemia, continuo trabalhando em novas fórmulas, e, junto com a minha esposa, instalei um minilaboratório na nossa casa, com todas as matérias primas que necessito para continuar realizando o meu sonho de atender clientes e acreditando no futuro.

Fotos: Divulgação Eaux Parfums

Fotos: Victor Neco Fotografia
Fotos perfumes e produtos: Acervo Jean Luc Morineau (Vitor Neco Fotografia)
Entrevista: Roberto D’Angelo
Publisher e Diretor Criativo: Sérgio Oliver
Supervisão de texto: André Terto
Arte gráfica e diagramação: Danni Chris