CAPA DO MÊS:
HERNAN FIGOLI
a TRAJEtória de UM peRFUMISTA DE SUCESSO
por: SERGIO OLIVER
Hernan Figoli é um dos perfumistas mais queridos do setor. Herdou seu talento para criar fragrâncias de sua família, já que seu avô e seu tio também eram perfumistas. Neste bate-papo exclusivo, ele nos conta tudo sobre sua trajetória profissional e suas belas criações para o universo da perfumaria.
Sabemos que você vem de uma família de perfumistas, e por isso sua paixão por perfumes começou cedo. Como foi a experiência de ter o tio e o avô na mesma profissão?
Minha paixão pela perfumaria foi sendo feita do mesmo jeito que se cria uma boa fórmula de perfume… Aos poucos…
Meu avô, Benito Figoli e meu tio, Enrique Figoli moravam na Argentina e tinham um atelier, Eypar, especializado em comercializar matérias-primas e na fina arte de fazer perfumes.
Eles tinham plantações em Salta, que, além de ser uma região de maravilhosas paisagens e das vinícolas mais antigas da Argentina, também produzia uma excelente qualidade de Lavanda, Limão e Menta entre outras ervas aromáticas.
Apesar de ser argentino, eu vim para o Brasil com 4 anos e, desde pequeno, eu ouvia histórias do meu tio que dizia que as mãos mágicas do meu avô transformariam aqueles ingredientes em magníficos perfumes. Então, todo esse legado fez parte do meu imaginário infantil. As vivências que eu tive vieram das minhas férias de verão, quando eu passava mais de um mês na Argentina para ver minha família.
Durante a semana, quando meu avô chegava do trabalho, sempre me dava as fitas para eu cheirar, e eu tinha que descobrir quais eram as notas, quando não eram fórmulas prontas (tipo pegadinha) …eu adorava os diferentes tipos de lavanda.
Em outras ocasiões, ele me levava ao seu laboratório e eu tinha o prazer de “brincar de perfumista” e passar o dia avaliando e descobrindo as diferentes matérias-primas; nos finais de semana, eu o ajudava a organizar os frascos, ele me testava e me fazia cheirar desde notas bem perfumadas como flores e notas aromáticas até notas animálicas, com um cheiro bem forte, das quais eu não me esquecerei jamais!!!
Mas nessa época, eu não pensava em seguir essa carreira, esse era o trabalho do meu avô. Foi bem mais tarde, por coincidência ou até mesmo destino, quando eu tinha 16 anos e cursava a escola técnica de química Oswaldo Cruz que redescobri a profissão, quando fiz meu estágio na casa de Perfumaria Givaudan, e de alguma forma começou ou reacendeu a minha paixão por essa área …
Em que momento da sua vida, decidiu que queria seguir a carreira como perfumista?
Quando comecei a trabalhar na Givaudan e tive um contato com este mundo fantástico da perfumaria, decidi que iria seguir nessa área. Fiquei encantado e essa situação me fez relembrar imediatamente todas as memórias da minha infância.
Interessante é que, até então, eu queria ser designer de carros (quem diria).
No começo da minha carreira, eu pesava para os perfumistas e, como laborantin (assistente de perfumista), eu arriscava umas misturas na hora do meu almoço e cheirava todas as matérias-primas que eu usava.
Qual a importância do seu tio e do seu avô nessa escolha?
Tenho lembranças fantásticas da minha infância de ir junto com o meu avô ao seu atelier (laboratório) e também de poder escolher quais de seus ensaios eu gostava mais …Tenho muita lembrança das notas ambaradas como Ambroxan, Bois Ambrene, além das notas aromáticas de Lavanda e Hortelã. Hoje, eu faço exatamente isso com as minhas filhas, além de levar as fitas olfativas para avaliarem, eu também faço com que elas avaliem a minha pele e escolham o perfume de melhor performance e agradabilidade (exatamente como fazia o meu avô) e faço-as testarem também em frascos (quando é um produto como shampoo ou creme corporal). E já ensino desde pequenas o quanto é prazeroso usar perfume o dia todo, e elas não saem de casa sem!
Como foi o processo para se tornar um perfumista?
Eu diria que foi um processo que foi evoluindo, de muita dedicação e paixão. Comecei pesando para perfumistas, depois fui para o controle de qualidade … cheirava matérias-primas e perfumes o dia todo. Na época, eu trabalhava com cromatografia e, no meu tempo livre, fazia as minhas criações. Eu ia aprendendo a dosar as quantidades corretas e definir as melhores combinações.
A evolução de um perfumista é contínua, você está sempre aprendendo, todos os dias a gente se depara com uma combinação de ingredientes, de captivos, novas bases, novas formas de fazer a estabilidade de um produto, desafios que vem do cliente e que temos que resolver como, por exemplo, transformar uma fragrância feminina em uma fragrância masculina. Então ser um perfumista é um processo desafiador diário, e, por isso, um perfumista com mais anos na bagagem talvez consiga atender às solicitações exigentes do mercado e dos clientes de maneira mais efetiva e ágil.
Como foi o seu primeiro trabalho como perfumista, e como foi a sua primeira criação?
Foi na Colgate-Palmolive, que tinha no passado uma estrutura de perfumaria interna como hoje tem a Procter, a Chanel, a Hermès … minha primeira criação foi o Amaciante Suavitel Azul do Brasil, muito importante para a categoria, pois é responsável pelos maiores volumes. Depois, criei outros clássicos importantes como o shampoo Palmolive Melanina na época. Tenho o produto guardado até hoje!! É indescritível a satisfação de materializar sua primeira criação. É uma emoção muito grande ver seu produto na gôndola de um supermercado e, mais adiante, na prateleira de uma perfumaria. Ainda hoje, sinto essa sensação, esse orgulho pessoal de algo que idealizamos e que conseguimos finalizar. É uma conquista e é um prazer muito grande ter uma criação 100% sua compartilhada com o consumidor.
Até hoje, eu compartilho meus ganhos com o meu tio Enrique Figoli. Hoje, ele tem 68 anos e é uma pessoa que brinda comigo cada uma das minhas vitórias.
Além do briefing, o que o inspira na hora de criar uma fragrância?
Tudo que nos rodeia faz parte de uma inspiração: correr em um parque logo cedo ou andar descalço na areia ao lado do mar…
Mas o que me inspira é “poder fazer parte indiretamente da vida das pessoas” e, quando estou correndo (e eu adoro correr!) ou andando e reconheço uma criação minha, eu fico muito feliz, pois naquele momento sei que consegui contribuir com algo maior para essa pessoa, e que, de alguma forma, toquei o seu coração.
Dentre as matérias-primas com as quais você trabalha, qual é a que não pode faltar em suas criações e por quê? E qual aquela que você considera a mais difícil?
Ingredientes naturais não podem faltar nunca. São eles que dão alma às nossas criações. Eu diria que a mistura harmoniosa dos ingredientes naturais com os sintéticos é o que forma uma bela criação. Uma nota que eu gosto muito, pois me remete à infância e momentos felizes, é a nota ambarada que uso bastante em minhas criações. Ela traz sofisticação, elegância, calor, durabilidade (long-lasting) e performance. Algumas matérias-primas dessa família são Cashmeran, Ambermax, Ambrofix Flakes, que é um Captivo da Givaudan, 100% biodegradável e que usa menos carbono, sendo mais sustentável para o planeta.
Outra nota que para mim é única e insubstituível no nosso palette é o Vetyver, que é uma nota amadeirada com uma nuance roasted e levemente seca, tudo ao mesmo tempo. Muito interessante.
Eu tive a oportunidade de acompanhar o plantio e colheita no Haiti e selecionar a melhor fração desse ingrediente para a Givaudan, processo do qual me orgulho muito.
Não considero nenhuma matéria-prima difícil de usar.
Algumas das fragrãncias de Hernan Figoli (Fotos: Divulgação Givaudan)
Para que o nosso leitor entenda, poderia nos contar como os perfumistas estão lidando com o uso de inteligência artificial em suas criações?
A Inteligência Artificial pode ser uma ferramenta para agilizar o processo de criação. Quando você precisa fazer uma extensão de uma colônia, por exemplo, um creme corporal ou um sabonete, a I.A. pode facilitar o processo, porém não acredito que possa substituir a alma de um perfumista, pois, muitas vezes, as nossas combinações ou escolhas não tem uma razão ou algoritmo, elas vêm de experiências íntimas, que foram coletadas durante anos.
Meu avô escrevia suas fórmulas no papel, e, depois, eram passadas na máquina de escrever pela minha avó. Hoje, as fórmulas são feitas com a ajuda de um computador, onde estão registradas todas as matérias-primas, as normas, custos e outras informações relevantes para o perfumista. Mas ainda os perfumistas podem contar com a ajuda da inteligência artificial e com softwares especiais desenvolvidos para agilizar o processo criativo como o Carto, que é uma ferramenta proprietária da Givaudan, e que reduz o tempo de criação drasticamente… O que antes era feito em uma hora, agora pode ser feito em poucos minutos.
E para matar nossa curiosidade, qual perfume você usa? Ou não é mito dizer que o perfumista não usa perfumes, pois a fragrância do momento é sempre a que ele está criando para fazer testes?
Normalmente, uso o último perfume que eu estou desenvolvendo, assim posso avaliar a performance em pele, e ver como é sua evolução, difusão, agradabilidade.
Pessoalmente, amo a flor de laranjeira. Então tenho uma colônia que fiz para mim, mas que não está disponível no mercado, e que uso nos momentos de maior intimidade.
Durante a semana e no trabalho, eu não uso perfume, o que é essencial para poder testar na pele as minhas criações.
Fora do trabalho, aproveito para usar minhas novas criações, como fiz hoje cedo quando fui correr no parque.
Algumas das fragrãncias de Hernan Figoli (Fotos: Divulgação Givaudan)
Qual conselho você daria para quem deseja seguir a carreira de perfumista? Quais os primeiros passos para se alcançar esse objetivo e quais as dificuldades que virão até esse sonho se realizar?
A indústria de perfumaria é um mercado pequeno, bastante restrito mesmo. Eu comecei na Givaudan, saí e, após alguns anos, voltei e tenho orgulho de trabalhar e criar fragrâncias para a maior casa de perfumaria do mundo, o que é uma realização pessoal.
Para se tornar um perfumista tem várias opções. A minha sugestão é procurar um estágio em uma casa de perfumaria, mesmo que pequena. Tem várias empresas interessantes. Outro caminho é procurar cursos de especialização tanto no Brasil quanto no exterior, em perfumaria e o mais conhecido é a ISIPCA.
Dentro da área de perfumaria, há outras áreas muito interessantes como controle de qualidade, avaliação, marketing, vendas e produção.
Um perfumista não vive sem um avaliador e um laborantin (assistente de perfumista), e sempre trabalha em parceria com marketing e vendas. Então, são muitas carreiras interligadas e interessantes, nas quais você pode se inspirar, para se tornar um perfumista ou para trabalhar lado a lado de um. Jamais desista dos seus sonhos…
Algumas das fragrãncias de Hernan Figoli (Fotos: Divulgação Givaudan)
Fotos: Divulgação Givaudan
Publisher e Diretor Criativo: Sérgio Oliver
Supervisão de texto: André Terto
Arte gráfica e diagramação: Danni Chris