CAPA DO MÊS:

Os novos horizontes da perfumista

FANNY GRAU
por: Sérgio Oliver

Esta edição é uma homenagem à perfumista Fanny Grau que, há uma década, encanta os brasileiros com suas criações nacionais e internacionais . Uma das mais queridas e requisitadas do setor de perfumaria, criou fragrâncias de sucesso para várias marcas no Brasil e no exterior, e, nessa entrevista exclusiva, ela nos conta tudo sobre esse novo momento de sua vida em que se despediu recentemente do nosso país para morar e trabalhar em Paris. Desejamos toda sorte do mundo a essa mulher incrível e grande profissional!

Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e como se tornou uma perfumista?
Eu sou filha de franceses e nasci na França, mas logo voltei para Tunísia, onde moravam meus pais. Passei minha primeira infância nesse país muito inspirador e cheio de cheiros de flores como jasmim, rosas, flores de laranjeira, mas também de comida, dos couros dos “souks” (mercados locais), dos incensos. Os primeiros anos são os mais importantes para o desenvolvimento de um ser humano, principalmente em relação à curiosidade. A Tunísia, com certeza, teve um impacto muito forte na minha vida em geral. Não posso falar qual exatamente é a minha assinatura relacionada a esse meu passado, mas, certamente, desenvolvi uma curiosidade muito grande, e tudo o que eu faço tem a ver com isso, porque fui criada lá e tenho muitas memórias olfativas desse lugar.

Quando voltei para a França, eu nem sabia que existia um perfumista por trás de um perfume. Eu era apenas uma usuária, mas gostava muito de cheiros e, de forma inconsciente, isso guiava minha vida. Sempre fui uma pessoa muito criativa, mas também muito lógica e, por isso, escolhi seguir o caminho científico para a minha educação. Eu fazia muitas atividades extraescolares relacionadas à arte plástica, como pintura, modelagem, cerâmica, e até escultura. Na escola, adorava a química, e sobretudo achava mágico juntar duas coisas e vê-las mudar de cor e, às vezes, até geravam uma nova molécula que cheirava. Fiquei fascinada e comecei a pesquisar mais esse mundo até descobrir o que era um perfumista. Daí, já sabia que eu ia estudar e tentar de tudo para poder um dia me especializar nessa profissão. Durante meus estudos de química, fiz alguns estágios em pequenas casas de perfumaria no sul da França, onde comecei a colecionar óleos essenciais.

Eu fiz um doutorado de química na Universidade de Nice, no sul da França, com a ideia de criar novas moléculas para perfumaria. Na minha geladeira, colecionava matérias-primas para perfumaria e treinava diariamente minha memória olfativa. Depois do meu doutorado, entrei na Symrise e comecei o pós-doutorado em Holzminden, uma cidade pequena na Alemanha. Do lado do prédio de pesquisa onde trabalhava, tinha uma escola de perfumaria e o meu sonho era poder passar a frequentá-la. Fiz entrevistas e testes olfativos e tive a sorte de poder começar um treinamento de perfumista com um mentor: o perfumista Marc Vom Ende. E foi assim que nasceu uma perfumista.

O que mais a motiva na hora de criar um perfume?
Sou levada constantemente pela magia e o mistério dessa profissão que é sobre juntar, misturar e unir elementos que trarão um novo cheiro para as pessoas. No perfume tem muitas coisas que eu adoro, porque querendo ou não ele é transparente, e invisível, mas tem presença, cheira, é superpoderoso e tem uma coisa meio mágico dentro: ele te faz viajar, traz de volta as memórias. Você cheira algo e, em segundos, você está naquele lugar, naquela experiência, de novo. É ainda mais forte do que fotos, na minha opinião.

Para mim, a fragrância te leva a um lugar em um instante. As pessoas se perfumam sim, como uma forma de atração, de sentir-se mais bonito, mais elegante, mas também tem algo mágico, tem uma coisa de sonhar, como uma viagem atemporal, que traz muita felicidade, muita alegria e tem um poder surreal. De verdade, acho que não tem muita coisa que tenha tanto poder como o cheiro. Eu considero o cheiro como a quarta dimensão do nosso mundo em 3D.

Sou muito apaixonada pelo que faço. Para mim, ainda é um sonho… me traz muita felicidade, muita magia, não tenho dúvida de que é isso o que tenho que fazer. Poder trazer memórias olfativas, viajar no tempo…

Você acabou de participar como coautora de um livro super especial sobre perfumes chamado “Scent & Chemistry: The Molecular World of Odors”. Fale-nos um pouco sobre ele e como foi essa experiência?
Esse livro foi um projeto superespecial. Tenho muitos amigos da época em que eu era química. Um deles é o Dr. Philip Kraft que me chamou para esse projeto. Foi realmente uma honra poder escrever esse livro com químicos talentosos. Escrever não é algo intuitivo para mim, mas foi um exercício muito bom, pois me permitiu repensar a maneira como eu crio e como está tudo organizado na minha mente. Eu estou muito orgulhosa do resultado final, é um livro muito completo agora, pois a edição anterior não tinha nada sobre a parte criativa e era mas sobre cheiros e química.

Foto: divulgação

Um dos seus últimos lançamentos para a marca brasileira de perfumaria de nicho, a LENVIE, o perfume Figorativo é um grande sucesso. O que pode nos falar sobre essa criação?
A inspiração desse perfume é a figueira que está no jardim do ateliê-casa do meu tio, pintor e ex ceramista. Em um verão quando que eu o visitei, ele me mostrou as suas novas pinturas, e acabamos a visita no jardim onde fica essa figueira maravilhosa… o cheiro das folhas dessa árvore preencheram o meu nariz, e quis relatar esse sentimento nessa fragrância. Nasceu FIGORATIVO da LENVIE PARFUMS, um perfume único, criado a partir do cheiro das folhas da figueira, com notas cítricas na saída para traduzir a luz desse dia, notas florais florais transparentes e um fundo amadeirado confortável.

Perfume Figorativo L’envie Parfums (Foto: UM2 Estúdios)

Qual é a matéria-prima brasileira que você mais gosta de usar em suas criações e por quê?
O Brasil tem muitas matérias-primas maravilhosas, mas eu seria injusta se não falasse que tenho um “crush” pela fava tonka. Primeiro, porque vem de uma árvore, e eu amo árvores. Mas a árvore da fava tonka, ou cumaru, também tem uma madeira muito bonita, avermelhada e escura, muito elegante e extremamente densa. Mas para voltar a fava tonka, o fato dos cristais de cumarina cristalizarem nela me fascina, além do cheiro, que eu amo. É um cheiro muito confortável, adocicado, e ligeiramente amendoado e frutado cereja. É incrível!

Criações de Fanny Grau para as marcas Mahogany, O Boticário, Abel Fragrance e Hinode (Fotos: divulgação)

Geralmente, os perfumistas dizem não usar perfumes. Você usa? Não precisa dizer a marca, mas qual a família olfativa que você prefere?
Eu não uso perfumes durante os meus dias de trabalho, pois me atrapalha para avaliar o que estou criando, mas eu uso perfumes sim! A maioria são minhas criações. Adoro fragrâncias que contém bastante íris, almíscar, sândalo e também gosto de chipres.

Quando esta entrevista for publicada, você não estará mais morando no Brasil. Como foi essa mudança e como é voltar depois de tanto tempo para o seu país?
É uma questão ainda bem sensível para mim. Eu já estou na França desde abril, ainda tentando organizar a minha vida, meu trabalho, minha família, a escola… é um momento de muitos questionamentos para mim no sentido de que não sei o que vai ser minha vida aqui no país onde eu nasci, que não é meu faz muitos anos. Eu morei 12 anos no Brasil e virei brasileira… amo esse país maravilhoso onde tive minha vida muito regrada e harmoniosa. Tenho amigos muito queridos que ficarão para a vida inteira, isso é uma certeza. É o país dos meus filhos, eles nasceram e cresceram em São Paulo. Mas acredito que na idade em que estão, 5 e 7 anos, começando a se abrir para o mundo, essa mudança possibilitará uma proximidade maior com os avós deles que moram aqui na França. Dessa forma, eles poderão ter uma outra referência de família, que não apenas do pai e mãe. Também eles poderão conhecer os primos, crescer juntos e isso também é muito importante. Então, para responder essa pergunta, foi uma decisão muito difícil, uma vez que foi muito triste deixar um país que amo e que me acolheu com braços abertos, mas também estou com o coração tranquilo no sentido de que eu acredito muito na importância da família para crescer de maneira equilibrada. A vida é um sopro e temos que aproveitar a presença das pessoas enquanto elas estão aqui. Meus filhos são pequenos e vão ter muita oportunidade para voltar ao país deles, que é o Brasil. Voltaremos muitas vezes, isso tenho certeza!

Quais são suas expectativas para esse novo momento da sua vida profissional?
Como gosto de processos criativos, tenho grandes expectativas em enfrentar novos desafios criativos, novos ingredientes, novos clientes, novos perfumes. Vai ser um momento de muita aprendizagem e, com certeza, me trará muita felicidade.É bom estar sempre aprendendo e também poder levar minha bagagem profissional e pessoal a outros lugares.

Criações de Fanny Grau para a marca de perfumes de nicho brasileira L’envie Parfums (Foto: Juliana Frug)

Da sua experiência em morar no Brasil por tanto tempo, de que você sentirá mais saudade e por quê?
Sentirei falta desse colorido, desta energia sem fim do Brasil, que é cheia de sabores e de cheiros. Aí a criatividade pulsa em tudo que se faz, existe dinamismo. Descobri isso enquanto morei nesse país único.

Para terminar, qual conselho você daria para quem sonha em se tornar um perfumista tão talentoso e querido como você?
A primeira coisa é ser paciente e muito focado, o treinamento para ser perfumista exige muita determinação e aplicação. São anos de estudo para se entender centenas de ingredientes, como são, o que cheiram, como se transformam. É preciso criatividade, ter coragem de ir além. É preciso ser curioso, pesquisar o que querem as pessoas que são seus consumidores, é preciso estar aberto a ouvir essas pessoas, expandir seus conhecimentos culturais. O perfumista é um curioso, estudioso incansável nessa tarefa.

Foto: Eleonore de Bonneval

Fotos capa: Marcelle Cerrutti
Publisher e Diretor Criativo: Sérgio Oliver
Supervisão de texto: André Terto
Arte gráfica e diagramação: Danni Chris